Saturday, January 5, 2008

Smoke will tear us apart


Ao dobrar das doze badaladas nesta passagem de ano lembrei-me da história da Cinderela. Não porque tivesse perdido uma bota ou porque o champanhe alemão me tivesse subido à cabeça e visse carros transformados em abóboras, foi antes um sabor amargo na boca ao pensar que daí em diante nada seria igual. Como fumador pertencia agora ao grupo dos proscritos, empurrados para as esplanadas gélidas, atarantados num aeroporto em busca de uma área de fumadores inexistente, impedidos de prolongarem o jantar no restaurante da sua escolha, olhados, mesmo na rua, com reprovação. Era o adeus aos bares e clubes em que o fumo era uma nota do ambiente. Apeteceu-me trautear o "Over The Rainbow" “ e exclamar para qualquer canídeo de luxo berlinense, "we are not in Kansas anymore”. Mas talvez já não seja cool. Os Joy Division ressuscitados pela mão de um fotógrafo da moda num filme muito falado são o novo cool. Mas a angústia cinzenta a que Ian Curtis deu voz, em clubes inundados de fumo, não penetra as pistas de dança. Sobra apenas a estética. Uma estética também cool, muito clean, pretensamente zeitgeist, em que a decisão dos momentos de prazer individual deixa de pertencer á esfera do sujeito transferida para decisões do estado, tomadas em nome dum duvidoso bem estar colectivo. Na primeira utopia negra da literatura deste século, o livro “ Nós” de Ievgueni Zamiatine, escrito em 1920 na antiga URSS, a personagem principal fica vivamente perturbada pela visão de alguém que fuma e bebe e diz-lhe. “ Deve concerteza saber que o Estado Único não tem contemplações com os que se envenenam com nicotina e principalmente com álcool…”
Visionário. Não?
Há de repente qualquer coisa de revolucionário no acender dum cigarro, a rejeição dum mundo asséptico, a resistência ao “ clean and cool”.
Smoke will tear us apart…

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