É sempre um prazer e um desafio intelectual intenso ler Eduardo Lourenço (EL)
Num longo texto, hoje saído na comunicação social EL analisa as “revoluções” arábicas e as relações entre a Europa/Ocidente e o mundo islâmico. Surpreendente comete alguns inesperados erros, quero crer, só resultantes de uma momentânea distracção politicamente correcta.
Começando pelo fim do artigo, EL classifica o Islão do tempo de Avicena e Averróis, como glorioso e pluralista, tendo considerado no início do texto, esse tempo, tão dourado quão mítico do islão , “seguido de uma insólita estagnação”. Gostaria de referir que qualquer cultura ou Civilização não é construída sobre o vácuo, mas para além dos exemplos clássicos de Avicena (980-1037) e Averróis (1128-1198) poucos nomes mais servem para ilustrar tão dourada época islâmica. Nunca se ouve referir, pela maioria dos académicos ocidentais, o exemplo de Probus de Antióquia, que muito antes, no século V, introduziu Aristóteles ao mundo árabe. Bem como o cristão Huneyn ibn Ishaq (809-873) que traduziu muitas obras de Aristóteles, Galeno, Platão e Hipócrates para siríaco, e cujo filho traduziu mais tarde para arábico. Como o sírio (jacobita) e cristão Yahya ibn Adi (893-974) que também traduziu obras filosóficas para árabe e escreveu o seu próprio tratado A Reforma da Moral que, ocasionalmente, foi erradamente atribuído a diversos muçulmanos seus contemporâneos. Um dos seus estudantes, um cristão chamado Abu Ali Isa ibn Zur’a (943-1008), também traduziu numerosas obras de Aristóteles e de outros filósofos gregos para siríaco. O primeiro tratado médico em árabe, foi escrito por um padre cristão e traduzido aquela língua, por um médico judeu em 683. O primeiro hospital a ser construído em Bagdad no apogeu do califado Abbasida foi construído por um cristão chamado Jabrail ibn Bakhtishu. A primeira escola médica foi construída em Gundeshapur na Pérsia por cristãos assírios. A primeira universidade não foi a de Al-Azhar no Cairo, como se reclama frequentemente, mas em Nisibis também construída por cristãos assírios. Poderia continuar esta lista, mas para não tornar maçador o texto, fico por aqui, não sem concluir que, ao arrepio da História, a sensacional “Idade de Ouro” do Islão, é largamente inspirada por académicos não-muçulmanos.
EL classifica de insólita a estagnação do Islão. Como é que tão “gloriosa Civilização” não deixou os mínimos resquícios na posteridade muçulmana? Parece mágico mas não é. E a causa da sua alegada decadência reside na própria natureza do Islão. Dou mais um ou outro exemplo. Nas ciências médicas, e conforme já referi, o primeiro hospital foi construído em Baghdad no tempo do quinto califa Abbasida, Harun al Rashid (763-809) e muitos mais se seguiram. No entanto, foi um médico belga Andreas Vesalius (1514-1564), que abriu caminho para a ciência médica moderna, publicando a primeira descrição acurada dos órgãos internos humanos. Mais, esta obra denominada Humani Corporis Fabrica está repleta de desenhos e esquemas da anotomia externa e interna do corpo humano, cuja representação é completamente proibida no Islão.
Na matemática, a história repete-se. Isto para já não falar da arte e da música. A álgebra, a numeração árabe e a descoberta do zero, é atribuída aos muçulmanos, mas a verdade é que a Matemática tem origem na India pré-islâmica. De qualquer maneira, a Matemática abriu novas “avenidas” para o conhecimento científico europeu. Os europeus usaram a álgebra, em conjunto com outras descobertas realizando avanços tecnológicos e civilizacionais importantes. Porque é que não aconteceu o mesmo no mundo muçulmano? Insólito? Obra do Acaso? Azar? Não a resposta certa é… Islão. Para concluir este ponto, relembro que quer Avicenna quer Averróis, estudaram em Universidades europeias no séc. XII, e o seu trabalho foi ostensivamente ignorado no mundo islâmico, concentrado no estudo e no decoro, ou falta dele, do Corão. Ignorar estes factos é discorrer intelectualmente sobre enganos, favorecendo, quero acreditar inconscientemente, a mitologia revisionista da história e a sua propaganda.
EL mostra-se preocupado também com o momento: “ Ainda não é certo que tenhamos saído desse momento cruzadístico”. Sinceramente esta afirmação apanhou-me de surpresa. Não estava à espera que EL descambasse para o facilitismo do “erro histórico” das cruzadas, tal como o fez João Paulo II. Uma análise sobre as Cruzadas, é empreendimento longo que está situado fora do alcance deste texto. Deixo aqui só algumas pontas. Em primeiro lugar, as cruzadas foram uma resposta às tentativas jihadistas islâmicas da conquista da Europa. Depois, se não fosse a Segunda Cruzada (1146-1148), dificilmente D.Afonso Henriques teria feito a Reconquista de Portugal com sucesso. Mas o mais importante, é que a culpa das cruzadas é ainda mais estigmatizada, do que a “Glória do Islão” durante o período Al Andaluz. O que é interessante, é que os mesmos pensadores que se mostram “incorformados” com as Cruzadas, sejam os mesmo que se conformam com as conquistas relâmpago, sangrentas e violentas, dos exércitos maometanos, que lograram conquistar, a ferro e fogo, todo o Norte de África cristão, parte da Europa, a Pérsia, os Balcãs e parte da Índia. Porque será?
Uma coisa é certa, quem não saiu desse momento histórico de conquista foram os muçulmanos. Eles são os próprios que o declaram. O Islão é a religião da guerra. Está inscrito nos seus genes. Mas isto quer dizer que todos os muçulmanos concordem com os ensinamentos de Maomé, segundo os quais,” nada é melhor (ou sagrado) do que a guerra jihadistica”? Quer. A guerra violenta sobre os não crentes, não é uma doutrina herética assumida por uma pequena fracção extremista, mas um elemento constante e central da teologia islâmica. Com as esperançosas excepções de algumas personalidades que deixaram o Islão, como por exemplo, Yaan Irsi Ali, Wafa Sultan, Ibn Warraq, entre outros, que aliás a intelectualidade e os meios de comunicação tudo fazem por os ignorar, o Ocidente não estimula a atracção dos muçulmanos. O próprio EL acaba por reconhecer este facto quando afirma “basta ler qualquer autor representativo dos mais ocidentalizados” ensaístas ou ficcionistas da cultura islâmica, de Pamuk a Tariq Ramadan (…) que as “luzes do Ocidente” – as suas incontáveis conquistas e maravilhas não os deslumbraram.” E este é o problema central da Europa. Pensar que o Islão consegue conviver no espaço geográfico europeu com o dia-a-dia Ocidental, é um profundo equivoco que nos pode sair muito caro. Eu não partilho da esperança de EL sobre o alegado “mundo novo” que os jovens revoltosos árabes estão a construir. E até se tornar evidente que esses revoltosos critiquem abertamente o Corão, até se tornar evidente que se relacionam com as outras religiões de uma maneira tolerante e aberta, para além da retórica do diálogo inter-cultural e religioso, em grande medida uma exercício de Taqiyya, até se tornar evidente uma abertura no domínio dos direitos da mulheres e de uma sexualidade aberta, até se tornar evidente que para além do Corão, do Mein Kampf e os Protocolos dos Velhos do Sião, a publicação de livros no mundo árabe e muçulmanos se torna livre, até tudo e isto, e muito mais acontecer, não nos “libertaremos dos fantasmas que não nos deixam dormir”.
4 comments:
Parabéns pelo texto Rui!
Muito bom! Eu diria que perfeitamente à altura de Eduardo Lourenço.
Claro que há e haverá sempre quem não queira ver.
Estes são os tempos...como dizia alguém: "os cegos guiam os loucos"
Abraços
Olá Lollipop:
Para mim é um mistério como "os melhores espirítos da minha geração" se deixam levar pelos enganos e estratagemas maquiavélicos de uma ideologia religiosa, impedernida, racista, supremacista, xénofoba, fascista e misógena, e pelos seus aliados elitistas da extrema esquerda.
Somos resistentes na hora mais negra da Europa.
Estou plenamente de acordo connvosco: também não entendo como andam todos a deixar-se enganar por aquela pseudocivilização!... e por aquelas revoltas no mundo árabe, apoiadas pela irmandade muçulmana...
Os cegos guiam mesmo os loucos...
Olá Ana Luísa:
Já alguns tempo que não comentavas por aqui.
Na verdade, a pressa em classificar as revoltas arábicas como de democráticas, insere-se na tentativa ingénua da propaganda eurábica em provar que eles são como nós. Gente amante da liberdade, da democracia da igualdade de direitos...etc. Porém, os escribas e comentadores apressados na revolução da História, das duas uma:ou são completamente estúpidos e ignorantes acerca do islão ou querem fazer de nós parvos.
O melhor é mandá-los à merda.
rui
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